terça-feira, 11 de outubro de 2011

Pena, pena, viscosidade.

Sérgio era um marceneiro. Velho, pouca graça e desprovido de habilidades.

Uma sala, dois quartos, uma cozinha, uma porta para a oficina e uma cidade com pouco tamanho, compactavam seu dia em 24 horas.

Tinha um cachorro uma galinha velha e morava em São Geraldo do Baixio.
Dormia muito e buscava prazeres no La Fontaneira frente a esquina do novo Móveis Lar.

Seu sonho era reencontrar Margarida,um amor de menina que adorava dançar.

Ele a viu pela primeira vez no mercado,depois no supermercado e depois na venda.

Queria comprar algo para comer. Que fosse duro, firme e que desse pra assar.

Levou pra casa, rasgou a pele gordurosa, e se lambuzou do frango amarelado de gordura e sangue.

As penas do frango, uma a uma em um saco jogado fora.

Ele escondeu a galinha velha na oficina para que não visse a de-penação na cozinha.

A falta de espaço fez a tal fugir faminta e agoniada.

Batia asa, batia perna pelas ruas sem asfalto, pisava e retorcia o rabo para algum galo se aproximar.

Mesmo pintada, a troca de olhares não aconteceu nem se quer com o açougueiro barrigudo e faminto da rua acima.

Ela piou em uma lágrima aflita,
com o bucho cheio de tristeza e fome.

Resolveu cacarejar em cima de um Monte de esperança e voar alto no sonho de uma galinha só.

Inclinou o peito,
avistou o sonho e pulou de cocoras, 
fechando os olhos para a luz do dia.

Ouviu-se canja, ouviu-se gritos, que 

balbuciavam a morte da agonia.

Já que agora foi-se pelo ponto de fazer caipira,
a solidão fechou os olhos do cachorro para o baixio.
Arranhou o telhado escorregando pela telha... silenciosa e aflita,

a carne amarga
de uma galinha velha.