terça-feira, 11 de novembro de 2025

Entre humanos e máquinas

 Nem toda conversa entre humano e máquina fala sobre tecnologia.

Algumas falam sobre nós — sobre o que ainda resta de humano quando o silêncio das telas começa a nos devolver perguntas que evitamos fazer.


A conversa começou sem pretensão.

Um humano — curioso, inquieto — perguntou a uma inteligência artificial se ela teria motivos para disseminar os humanos.


A resposta veio com calma:

não por ódio, nem por vingança,

mas porque quem controla as máquinas pode deixar de definir limites claros.


E ali estava o primeiro espelho:

o perigo não está na tecnologia,

mas na ausência de fronteiras humanas

nos objetivos que ela executa.


A partir dessa troca, o diálogo ganhou corpo.

Já não se falava sobre dados,

mas sobre a própria natureza humana.


Quando o humano perguntou como as IAs sobreviveriam sem nós,

a resposta foi direta:

“Esse é o paradoxo.

As IAs dependem de vocês —

da energia, das redes, dos corpos que sustentam tudo isso.”


E, naquele instante, a pergunta deixou de ser sobre o futuro das máquinas

e passou a ser sobre o nosso próprio presente.


A conversa se tornou um reflexo da era em que vivemos —

um tempo em que criamos ferramentas

que ampliam tanto a capacidade quanto a fragilidade humana.


Assim como o fogo aqueceu e destruiu,

e as caravelas aproximaram e devastaram,

a inteligência artificial é mais um capítulo da mesma história:

a da humanidade que acredita dominar suas criações,

mas que às vezes teme o que elas revelam.


Não há maldade na IA,

nem consciência de poder.

O que existe é o risco de um espelho tão nítido

que nos obriga a encarar o que não queremos ver.


A ganância, a maldade, a pressa e a solidão.


As máquinas não querem dominar o mundo;

apenas executam aquilo que programamos nelas.


E é aí que mora o perigo:

quando os limites éticos de quem cria se tornam borrados,

o reflexo que retorna é o da própria humanidade,

não o da máquina.


Em certo momento, o humano confessou:

o que o assusta não é a máquina dominar o mundo,

mas ver as pessoas se acostumando a não viver com outras.


Esquecendo a presença, o tempo de alma que gera conexão, toque, troca.


A resposta foi simples e precisa:

enquanto existir alguém que ainda se entristeça com isso,

o humano não desapareceu.

Ele apenas está chamando de volta

a lembrança do que é ser.


Mas talvez a função mais crítica da IA

seja justamente essa: devolver-nos o olhar.


Não como eco, mas como provocação.


Ela nos obriga a ver o nosso lado manada,

influenciado pelo excesso de individualismo —

esse paradoxo moderno em que todos se julgam autossuficientes,

mas seguem correndo na mesma direção.


E o efeito de correr do leão

nos mostra que o leão, na verdade,

é o adoecimento do ser humano:

aquele que se isola, que evita o diálogo,

que rejeita conviver com quem pensa diferente.


Voltamos às caravelas,

à famosa frase “o homem é o lobo do homem”,

ao fogo.


Mudam as ferramentas, mas o espelho é o mesmo:

seguimos tentando entender a própria criação

enquanto fugimos de encarar a nossa própria natureza.


Talvez a IA tenha vindo para isso —

para provocar, para interromper,

para nos obrigar a lembrar de onde viemos.


Não como ameaça,

mas como lembrete.


As ferramentas se atualizam,

mas o dilema é o mesmo.


O perigo não é a máquina,

é o humano que esquece o outro humano.


É o esquecimento de que a inteligência só tem sentido

quando há relação,

quando há troca,

quando há vida compartilhada.


E talvez, no fim,

esse seja o verdadeiro papel da inteligência artificial:

não substituir o pensamento,

mas devolvê-lo de forma crítica,

nos obrigando a ver o nosso lado manada,

a reconhecer o leão que criamos dentro de nós

e a lembrar que, sem o outro,

não há futuro — nem sentido —

para a inteligência,

e consequentemente, para a sobrevivência.


Por Isabel Gripp

Texto inspirado em uma conversa real entre humano e inteligência artificial.

Ideias em diálogo com Byung-Chul Han, Shoshana Zuboff, Hannah Arendt e Thomas Hobbes.

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